sexta-feira, 15 de maio de 2009

CARTA PARA Mrs. BATHO WENSBURNY


Em 17 de Setembro de 2005 a agência dos Correios da cidade de Falmouth, foi demolida por um grupo de presidiáros designados para prestar uma série de serviços comunitários nos arredores da região. O ar frio daquela manhã de inverno inglês invadia o uniforme dos presos, enquanto um grupo de guardas reunidos em círculo observavam os detentos, saboreando o café quente trazido por uma moradora local. A imagem de um grupo de aproximadamente 30 homens revirando os escombros de concreto e ferragem, amontoando as ruínas da antiga estação postal, e removendo-as em carriolas até um caminhão estacionado do outro lado da rua, chamava a atenção da pacata população local. Numa atitude natural de desaprovação as pessoas atravessavam do outro lado da rua observando atentamente, algumas paravam diante dos guardas e se informavam acerca do fato, tomando conhecimento de que a antiga construção agora cederia espaço à um escritório de uma seguradora, enquanto outras nem mesmo prosseguiam o percursso ao reconhecer os uniformes que identificavam os criminosos, preferindo retornar e fazer outro caminho. Assim quiz o destino que naquela manhã um dos detendos chamado Arthur Crosswer, encontrasse no meio dos escombros um envelope amassado e perfeitamente lacrado coberto de poeira. Cuidadoso com o olhar vigilante dos guardas Arthur escondeu estrategicamente o envelope na manga da camisa, até o momento seguro em que pode assoprar a poeira, e descobrir que um dos lados da carta trazia apenas o nome "Mrs. Batho Wensburny" escrito elegantemente. Tomou a liberdade de indagar alguns companheiros se conheciam tal sobrenome misterioso obtendo apenas a resposta negativa. Aproximou novamente o papel sujo dos olhos, e ao virar o outro lado da carta encontrou a mais enigmática escrita que já lera em sua vida: "Não abrir até Setembro de 2005." Um turbilhão de pensamentos confusos inundou a mente de Arthur enquanto observava a frase corrida aparentemente sem sentido diante de seus olhos. Escondeu a carta no bolso da calça temendo ser descoberto pelo guarda mal encarado que aproximava-se.
Quando o toque de apagar as luzes foi dado pontualmente as 22:00hs, todas as celas num movimento uniforme escureceram deixando apenas a iluminação central do corredor acesa. Engolido por aquele edifício frio cujas paredes sujas das celas quase sempre estavam cobertas de desenhos de crianças, fotos de familiares, recortes de jornais, e outros elementos permitidos que tornassem aquele espaço menos opressor para os ocupantes, Arthur Crosswer permanecia deitado na parte de baixo do beliche da cela número 354, para a qual havia sido transferido há dois dias. Condenado por estelionato e considerado um dos falsários mais inteligentes da Inglaterra, o homem magro e baixo com aparência de fraco e o cabelo negro penteado para trás, fora pego depois de meses de investigaçôes através de um plano muito bem arquitetato pela Scotland Yard. E assim há 8 meses a astúcia criminosa de Arthur sucumbira diante da inteligência da polícia inglesa o colocando naquele presídio. Mesmo deitado seus olhos observavam o pequeno espaço que o cercava; o canto era ocupado por um vaso sanitário e uma pia encardida com um sabonete e algumas escovas dentro de uma garrafa de plástico. Olhou para a parede e pode ver que um pedaço sujo e escuro descoberto, trazia o que pareciam ser dois nomes escritos diretamente no concreto, não conseguiu lê-los de onde estava, e preferiu permanecer deitado examinando o ambiente. No chão havia uma sacola com roupas do companheiro de quarto, um assaltante de bancos chamado Robinson Valterez que havia sido condenado recentemente a 6 anos de prisão, e que dormia profundamente. Quando o guarda passou vagarosamente em frente a cela fazendo a ronda da noite, Arthur fingiu estar dormindo pois sabia que aquela era a última checagem do dia; logo depois como faziam cotidianamente, os vigias se reuniam na sala com uma pequena TV ligada, e sentados a mesa atravessavam a madrugada em meio ao jogo de cartas, alheios ao que acontecia nas celas desde que permanecessem as escuras.
A luz fraca do corredor bastava para que Arthur Crosswer pudesse ler a carta que guardara consigo durante todo o dia. Colocou a mão no bolso e retirou o envelope antigo e amassado, relendo o desconhecido nome "Mrs. Batho Wensburny" e a inexplicável observação "Não abrir até Setembro de 2005". Rasgou o envelope amarelado pela extremidade retirando duas folhas de papel, e desdobrou-as encontrando uma caligrafia que começava da seguinte forma:
"Mrs. Batho Wensburny,
É com imenso prazer que lhe dirijo estas palavras. Se estiver lendo estas linhas confome minhas orientações indicadas na carta, então deduzo que este envelope foi aberto somente em Setembro de 2005, tempo mais do que necessário para que meu objetivo se realizasse e lhe beneficiasse igualmente. Peço minhas desculpas por estas palavras aparentemente confusas, sendo assim permita-me explicar os fatos imediatamente: Há um ano estive no presídio de Falmouth trabalhando como médico, e durante este tempo conheci um homem chamado Bernard Roschild. Tomei conhecimento de que Bernard Roschild era um engenheiro reconhecido da sociedade local, e que fora condenado há 7 anos de prisão por ter atirado e ferido um rival, que lhe provocara por ocasião da festa de inaugurãção de um Hotel da cidade. Com o passar do tempo adquiri a confiança de tal homem, que certa noite me revelou um segredo numa roda de conversa na mesa do refeitório; disse-me então ter um plano de fuga em andamento planejado com outros quatro presidiários. De acordo com Bernard Roschild em Maio de 2005 um túnel havia começado a ser cavado do lado de fora do presídio, por um grupo de homens de confiança extremamente cuidadosos com a execução de todos os detalhes. Assim segundo os cálculos de Bernard todo a execução do plano levaria quatro meses. Depois daquele dia voltamos a conversar algumas vezes sobre o andamento do plano, mas infelizmente três semanas depois Bernard foi transferido para um presídio em Londres, juntamente com mais doze homens numa decisão tomada pelo diretor do presídio sem maiores explicações. Cheguei a imaginar que tal homem certamente teria descoberto o plano de Bernard, mas percebi que isto não ocorreu, pois nenhuma vistoria havia sido feita na cela Bernard indicando que a decisão não fora tomada em razão do plano de fuga. No dia seguinte fui imediatamente contatar os homens que executavam o plano, previamente avisado por Bernard acerca do local e da forma segura de me apresentar. E é aqui que esta carta lhe interessa em especial Mrs. Batho Wensburny. Bernard Roschild foi transferido na mesma época em que seu filho adentrou no presídio, depois de ter sido condenado injustamente no caso que repercutiu em toda Falmouth. Não vou me aprofundar no caso em questão, mas é sabido hoje com toda segurança que seu filho é inocente do crime que foi condenado, numa manipulação muito bem arquitetada pela acusação. Infelizmente as evidencias irrefutáveis da inocência de seu filho surgiram depois que a sentença fora dada. Depois de encontrar o grupo de Bernard Roschild, fiz um acordo com os homens no qual eles continuariam com o plano em andamento, em troca de um valor que eu pagaria quando seu filho fosse resgatado do presídio. Consegui a soma com diversas pessoas de confiança que se mostraram indignadas com a condenação de Scott, e assim reuni o montante estabelecido pelo grupo de Bernard para prosseguir com o plano conforme combinado. Por isso estou lhe mandando esta carta, se os cálculos de Bernard Roschild estiverem corretos, os homens devem estar acabando o túnel nos próximos dias, e de acordo com o mapa mostrado a mim quando os encontrei, o túnel chagará exatamente na cela em que seu filho se encontra, pois obtive informações cuidadosas de dentro do presídio acerca do prédio e da cela que ele ocupa. Peço minhas siinceras desculpas pela ousadia de tal ato, e admito que atravessei a minha própria fronteira moral e ética, mas diante de tamanha injustiça perpetrada contra um homem, não nos restou outra saída a não ser livrar seu filho deste lugar no qual nunca deveria ter pisado. Assim sendo peço que contate teu filho se possível preparando-o para a fuga, uma vez que minhas tentativas se mostraram infritíferas, pois fui impedido de encontrá-lo pela própria administração da prisão que não me deu maiores satisfações. Acredito que não agiriam desta forma com uma mãe que tentasse visitar seu filho, sensibilizados pela tua presença. Ademais agradeço a espera de abrir esta carta no tempo oportuno, pois se o fizesse anteriormente poderia comprometer a segurança do plano dos homens de Bernard Roschild. Desejo sinceramente que esta carta lhe encontre bem e com saúde, pedindo a sua compreensão para o que fizemos, na certeza de que o plano terá o desfecho por todos nós almejados, e que portanto muito em breve seu filho não mais ocupará a cela 354 desta prisão. Com todo o respeito e solidariedade que lhe dedico.
Um amigo anônimo representando as vozes indignadas de Falmouth."
Arthur Crosswer deu um salto levantando-se da cama surpreso quando leu o número 354 escrito na carta. Em pé na penunbra do quarto, segurava a carta nas mãos e observava novamente o número que saltava aos seus olhos, informado no relato do misterioso médico que acabara de ler. Seu corpo permaneceu imóvel mas interiormente agitado, deu uma olhada na direção da sala dos guardas pra se certificar de que ninguém percebeu seus movimentos, e encostou na grade fria de ferro pensando em silêncio com o olhar distante focado na luz central do corredor. Permanceu imerso na imensidão de informações e coincidências que por alguns minutos inundaram seus pensamentos. As perguntas brotavam em sua mente num ímpeto descontrolável, Aonde estaria o filho de Mrs. Batho Wensburn? E quanto a número da cela informado na carta?
- Ei!..Robinson!... Robinson!... acorde!... acorde! - as mãos de Arthur empurravam o homem tentando-o despertar no silêncio daquela madrugada.- vamos! - Arthur tentava acordar Robinson tomando cuidado para que o seu tom de voz não o denunciasse.
- Acorde!.. Robinson?... acorde!,... preciso lhe fazer uma pergunta!- continuou empurrando o companheiro que despertou preguiçosamente e com uma cara de mau-humor.
- O que foi?... droga!... sabe que horas são? - o homem espreguiçou na cama e descobriu-se com o lençol, observando com os olhos cerrados Arthur em pé no meio da cela, segurando duas folhas de papel nas mãos e esboçando um sorriso no rosto.
- Qual é a graça Arthur?... me acorda no meio da madrugada e ainda acha graça? - o semblante de Robinson adquiriu um ar de raiva diante da visão de Arthur observando-o, e antes que ele o agredisse foi interrompido pelas palavras de Arthur:
- Calma meu amigo, tenho boas notícias para nós dois, asseguro que depois que me ouvir vai me agrader por tê-lo acordado, mas antes me responda uma pergunta: Quem ocupou esta cela antes de mim?
Robinson sentou-se na cama, passou a mão na barba por fazer, e arrumando os cabelos olhou para Arthur respondendo:
- Um garoto estranho aqui de Falmouth, o tipo quieto sem muita conversa, ficou aqui poucos dias.
- Lembra-se do nome?
- Não, nem coversava com este preso, passava o tempo todo lendo cartas que recebia, espera! espera um minuto!...
- O que foi?
- Ali na parede!..Ali! - dizendo isto Robinson levantou o braço esquerdo apontando-o para o canto escuro da parede, que continha os dois nomes escritos no concreto que Arthur já tinha visto enquanto estava deitado. - ele escreveu o nome ali Arhtur!
Arthur Crosswer aproximou-se da parede escura, e pode ver um pouco acima de sua altura as marcas riscadas. Quando seu rosto chegou bem perto da parede, a escrita ilegível no concreto revelou-se diante de seus olhos confirmando suas suspeitas. Seus olhos puderam ler no ponto mais alto o nome Bernard Roschild sulcado na massa escura de concreto, e logo abaixo o nome Scott W.
- Scott Wensburny! - repetiu consigo enquanto Robinson o observava sentado na cama.
Depois de alguns segundos refletindo enquanto observava os dois nomes registrados na parede, Arthur Crosswer virou-se novamente em direção ao companheiro de cela indagando-o:
- O que houve com Scott W? Ele foi transferido daqui?
- Não, ele foi solto, conversando com um dos guardas fiquei sabendo que o pobre garoto era inocente da acusação. Alguém conseguiu retirá-lo deste lugar.
O falsário voltou a sentar na cama, dobrou novamente as folhas guardando-as no bolso, enquanto pensava em toda história que acabara de ler. Robinson desceu da parte de cima do beliche e aproximou-se de Arthur confuso com as perguntas no meio da noite. Sentou numa banqueta baixa encostada na cela, e o encarou perguntando:
- Porque o interesse em Scott W?
- Porque este homem vai nos ajudar a fugir daqui meu amigo. - dizendo isto esboçou um sorriso discreto que deixou Robinson ainda mais confuso.
Arthur Crosswer deitou novamente na cama, com a cabeça descansando nas mãos colocadas para trás sobre o travesseiro, e respirou profundamente pronunciando a seu companheiro as últimas palavras daquela noite antes de pegar no sono:
- Arrume suas coisas, fugiremos nos próximos dias.
As palavras de Arthur Crosswer prenunciaram o que se seguiu dois dias depois no presídio de Falmouth. No dia 20 de Setembro quando o guarda encarregado do turno da manhã, deu o toque para os detentos saírem da cela e assim prosseguir a contagem de presos, notou que dois homens daquele prédio não obedeceram ao chamado. Apitou mais uma vez advertido os ocupantes da cela 354 de que tal demora implicaria em punições mais severas, mas novamente não obteve respostas. Quando o guarda chegou na entrada de cela, ficou imóvel diante da imagem que viu: a pequena cela estava completamente vazia, não haviam roupas e nenhum objeto dos ocupantes; e bem no meio do chão, naquele espaço reduzido, um buraco de aproximadamente 70 centímetros de diâmetro com terra e pedaços de concreto quebrado espalhados pelo piso. Enquanto do lado de fora todos os presidiários observavam em silêncio e curiosos a cela 354, e os guardas corriam afoitos atendendo ao alarme de fuga disparado, Arthur Crosser e Robinson Valterez atravessavam a fronteira do condado em segurança auxiliados pelos homens de Bernard Roschild.

Um comentário:

Cristiana Fonseca disse...

Olá meu amor,
Belíssima escrita. Belo conto.
Me envolvo nos mistérios de tuas descrições.
Beijos.
Cris