sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O ESPIÃO DO LAGO BAIKAL

Na vastidão do planalto siberiano, meus olhos observavam um ponto negro e longínquo mover-se no horizonte branco, que se fundia com o céu prenunciando mais uma noite de rigoroso inverno para os moradores de Irkutsk. Distante alguns minutos da cidade, sob o alto de um penhasco eu podia observar o lago Baikal, misterioso elemento que dominava aquela geografia fria e encantadora. Meus olhos detiveram-se por trás do binóculo enquanto via aquele pequeno ponto atravessar completamente o lago congelado, riscando o chão de gelo numa linha visível que serpenteava de uma extremidade a outra do lago, rumando em minha direção. O silêncio do inverno foi cortado pelo ruído distante, mas reconhecível dos latidos dos cães que puxavam o trenó; incansáveis ajudantes, ali na imensidão daquele lago de gelo, imersos na grandiosa e fria solidão daquela paisagem, eu podia vislumbrar a silhueta disforme da matilha que arrancava contra a neve puxando uma imensa pilha de mantimentos e bagagens, juntamente com o condutor envolto em um grosso casaco que lhe cobria todo o corpo. As lâminas do trenó salpicavam estilhaços de gelo cortando o piso que parecia um espelho natural a refletir o céu sob minha cabeça.
Observei mais uma vez fixamente através das lentes, e notei que o condutor parou o trenó sob o chão frio e escorregadio do lago. Os cães se ajuntaram num único corpo numa tentativa de amenizar o vento congelante da Sibéria que implacavelmente os açoitava. Abriu um dos sacos de mantimento e retirou um rifle de caça, apontando em minha direção dando-me tempo apenas para me abaixar por trás de um rochedo. O disparo da arma causou um estampido repetitivo que ecoou na vastidão serene daquela natureza, e percebi que a bala passou a poucos metros de meu corpo, demonstrando a habilidade daquele exímio atirador, cujo disparo havia sido realizado de tão longa distância.
- Ele nos descobriu Yuri!!!...ele nos descobriu!!... – meu agitado parceiro falava apressadamente puxando-me para trás do rochedo... – vamos embora!! Yuri!! Vamos embora!!...
Desvencilhei-me de suas mãos e ordenei-lhe que ficasse calado, afirmando que jamais abandonaria meu posto enquanto não cumprisse a missão que me fora designada pelo general do exército soviético: interceptar um espião alemão que havia caído prisioneiro dos russos durante a batalha de Stalingrado, mas que havia conseguido escapar de um campo de prisioneiros ao norte de Bratsk, vindo parar próximo a Irkutsk, minha cidade natal.
- Tolo!.. como foi que você se tornou tenente Andrei?... acredita mesmo que não previ isto? Observe e aprenda seu covarde! Saiba que não preciso nem de minha arma para prender este homem, espere aqui!. – dizendo isto entregou o fuzil para o tenente e começou a descer a trilha do penhasco que o levaria diretamente para o lago.
O medroso oficial assumiu o lugar de Yuri e observou cuidadosamente através do binóculo em direção ao lago. Então pode distinguir que o condutor do trenó, agora mais próximo, havia parado novamente colocando a sua arma na superfície branca do lago, e permanecendo de pé próximo aos cães, ao lado de uma bandeira amarela fincada no chão de gelo. Passaram-se vinte minutos até reconhecer a figura do capitão Yuri aproximando-se do espião e carregando o que parecia ser uma corda; parou a uma distância de dez metros de seu inimigo alemão e arremessou-lhe uma das extremidades da corda. Mais alguns minutos e o espião foi preso pelo capitão, que olhou na direção do tenente acenando-o ao longe com um sorriso de satisfação no rosto.
Quatro horas depois o tenente Andrei dividia um copo de vodka com o capitão Yuri, num dos refúgios para o soldados russos, e depois do primeiro gole, não conseguiu conter a pergunta inevitável:
- Capitão, como fez aquilo? Como conseguiu desarmar e prender o espião alemão?
Yuri retirou do casaco um pedaço de papel dobrado e entregou para o tenente dizendo-lhe:
- Coloquei este bilhete na bandeira amarela que o espião encontrou – estendeu a mão protegida por uma luva e entregou o bilhete para o tenente que o desdobrou lendo as seguintes palavras:
Está pisando no ponto mais frágil do lago, se dispararmos nossas armas o piso de gelo se romperá e será engolido pelas águas congelantes do Baikal que o matarão em menos de um minuto. Se tentar fugir disparo minha arma e lhe asseguro que não conseguirá dar mais que dois passos antes que submerja no lago. Coloque tua arma no chão, afaste-se e aguarde-me que estou indo ao teu encontro”.

Um comentário:

Cristiana Fonseca disse...

Olá meu amor,

Adorei as novas imagens e as sublimes escritas em perfeitas harmonias.
O conto esta ótimo meu amor, tua escrita assim como você me encantam.
Beijos meu amor,
Cris